JUSTIÇA HUMANA versus JUSTIÇA DIVINA

JUSTIÇA HUMANA VERSUS JUSTIÇA DIVINA

Amílcar Ribeiro

MarteloNa segunda carta que o apóstolo Paulo escreve a Timóteo (2:15), recomenda-lhe que se apresente a Deus como trabalhador da palavra da verdade, a fim de a utilizar correctamente para si e para os outros. Daqui resulta a exigência do seu estudo dedicado, que decorre da ideia de obreiro, e a da sua devida interpretação e aplicação, a que não pode, obviamente, ser indiferente a sua revelação pelo Espírito de Deus.

Esta ideia implica a de comunicação com alguém por via da palavra, e que todo aquele que tem por utensilagem de trabalho a comunicação verbal ou escrita, necessita de a transmitir de modo a que seja compreendida pelo seu interlocutor com o mesmo sentido com que foi emitida. A não ser assim, poderá o leitor ou ouvinte entender a mensagem de modo diverso da pretendida pelo seu autor e, assim, perder-se a comunicação. Um dos obstáculos suscitados na comunicação consiste na inevitável utilização de conceitos indeterminados, vocábulos de uso corrente que aparentemente se consideram de apreensão imediata, mas que, na verdade, carecem de preenchimento para que emissor e receptor os entendam do mesmo modo.

O título da presente reflexão é um bom exemplo do que fica dito, pois, parecendo que não necessita de qualquer explicitação prévia, demanda que o seu objecto seja delimitado, para que saibamos do que estamos a tratar.

O que se deve entender por justiça? Parecendo a resposta intuitiva e simples, contudo, muitos pensadores têm empreendido ao longo dos séculos a tarefa de alcançar uma definição que sirva o objectivo de um entendimento comum e pacífico do conceito, mas sem o terem logrado.

Agostinho, bispo de Hipona nos séc. IV e V d.C., escreveu na sua conhecida obra Confissões acerca do tempo: “Que é, pois, o tempo? Quem poderá explicá-lo clara e brevemente? Quem o poderá apreender, mesmo só com o pensamento, para depois nos traduzir por palavras o seu conceito? E que assunto mais familiar e mais batido nas nossas conversas do que o tempo? Quando dele falamos, compreendemos o que dizemos. Compreendemos também o que nos dizem, quando dele nos falam. O que é, por conseguinte, o tempo? Se ninguém me perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei.”

O mesmo se pode dizer a respeito do conceito justiça. Todos pretendemos saber o que é, mas se nos perguntarem o que é, já não sabemos explicar. Diremos, de forma simplificada e não rigorosa, apoiando-nos no entendimento de Aristóteles, que justiça consiste em tratar igual o que é igual e diferente o que é diferente, na medida da diferença. Mesmo este conceito não está isento de críticas. A esta ideia poderá adicionar-se a clássica que entende a Justiça como: atribuir a cada um aquilo que é seu (de direito).

Sob o ponto de vista da sociedade humana, a justiça é um ideal absoluto para que tende o direito, mas que não alcançará, porquanto é produto de homens e mulheres limitados e imperfeitos e o sistema jurídico que constroem reflecte essas deficiências.

Justiça humana? Que civilização consideramos? Ora, mesmo os ordenamentos jurídicos das sociedades ocidentais na actualidade contêm diferenças entre si, que podem ser profundas em relação a valores vigentes em nações orientais. E a justiça humana compreende campos de aplicação de direito muito diversificados dentro do mesmo ordenamento.

E quanto ao conceito de justiça divina, constatamos que a ideia de Deus varia consoante os povos e as latitudes. Uma é a ideia de matriz judaico-cristã, outra é a de matriz islâmica.

Assim, para delimitarmos o nosso objecto, consideraremos a justiça no sentido exposto, sociedade humana a actual e ocidental, divina a de matriz judaico-cristã.

A justiça não se confunde com a lei nem com o direito. Aquela é o ideal para que tendem o direito e a lei, sem o alcançarem. O direito é servido por um sistema de normas escritas, mas também por princípios não escritos, que se destinam a ordenar uma certa sociedade segundo um determinado modelo. Este modelo poderá tender para a justiça, como conceito ideal, mas também poderá ser produzido para servir outros fins e, assim, a lei pode não reflectir nem o direito, nem a justiça.

De fins não serventuários da justiça resultam leis injustas. A respeito destas, poderemos recordar, a título de exemplo, as leis nacional-socialistas. Se o fim da justiça é a pacificação da sociedade e a resolução dos litígios, devemos ter sempre como objecto o homem em sociedade para a sua realização. Contudo, frequentemente os mais poderosos conseguem impor os seus interesses particulares em prejuízo dos gerais, por meio de leis produzidas para alcançar os fins que lhes interessam.

Todo o indivíduo tem uma noção empírica e pessoal do que é a justiça, o que tem dado origem à procura da sua fonte última. A noção de justiça confunde-se com a de direito positivo. É este um mero produto da razão humana ou tem uma origem transcendental? Há quem defenda que o direito não é mais do que aquilo que os homens querem que ele seja. Outros, que a justiça é um bem de origem divina, que vem inscrito já no espírito do homem desde o seu nascimento e que este se limita a descobrir, não alcançando, contudo, a sua completude, para depois o positivar.

Do exposto, resulta que a justiça humana é inelutavelmente imperfeita, quer na produção e sistematização das normas que constituem o sistema jurídico a que qualquer cidadão está obrigado a obedecer, quer na sua interpretação e aplicação pelas instâncias jurisdicionais. É recorrente os tribunais proferirem decisões consideradas injustas pelo comum das pessoas por excessivas ou por demasiado benevolentes ou mesmo decisões de primeira instância que são modificadas em sede de recurso. E, no entanto, nada disto deve ser considerado estranho à aplicação e interpretação das normas, porquanto os diferentes julgadores podem ter delas entendimentos diversos na procura da melhor solução jurídica. Continuará de igual modo a acontecer que pessoas sejam condenadas de forma injusta, outras indevidamente absolvidas por insuficiência de prova produzida para a condenação, testemunhas que alteram de modo consciente a verdade dos factos, continuará a haver uma justiça para os mais poderosos ou mais ricos e uma justiça para os socialmente mais débeis.

Em sentido contrário, a justiça de Deus é perfeita, porque é um dos Seus atributos, transmitidos na Sua revelação, a Bíblia. Nela, Deus é “o que faz justiça, o juiz de toda a terra” – Gn. 18:25, “é justo e recto” – Dt. 32:4, “a morada da justiça” – Jr. 50:7, “justiça e juízo são a base do teu trono” – Sl. 89:14.

Concordamos com Calvino, quando declara que a vontade de Deus constitui o padrão da Sua justiça. Este é o seu fundamento, pois não encontraremos outro acima dele. Os homens têm procurado encontrar qual o prius de onde deriva a ideia de justiça, sem o terem encontrado inequivocamente, mas a vontade perfeita de Deus é essa fonte última.

Por natureza, nada lhe pode ser ocultado. Se ao juiz humano não é possível fazer prova de tudo o que está no segredo daquele que está a julgar, porque este nada declara, não o podendo condenar se não existir qualquer prova complementar, do juiz de toda a terra tudo é conhecido. A sua natureza é a perfeição. Como a imperfeição não pode coexistir com a perfeição, todos os membros da comunidade humana são culpados. Se à justiça dos homens está vedado condenar um culpado em substituição de um inocente, na Sua sabedoria infinita Deus estabeleceu uma forma de justiça de substituição, para que houvesse a possibilidade de o culpado arrependido ser perdoado. Esta justiça substitutiva é Jesus Cristo, o inculpável, que leva a condenação daquele que, estando já julgado, espera o cumprimento da pena de separação definitiva da graça de Deus. Uma coisa apenas é necessária: aceitar essa substituição. Ela é eficaz e suficiente perante a perfeita justiça divina.

MAIS QUE TUDO

Jesus2 Jesus é único, singular, exclusivo e superior. Não tem comparação. Não é o maior, é inigualável. Como escreveu Augusto Cury, Ele é inconstrutível pela inteligência humana, ou seja, não poderia ter sido inventado se não existisse. Ele é parte da nossa História – diria mais – Ele é o centro da História e a razão dessa História. Ninguém como Ele foi e continua a ser tão controverso, provocando tanto reboliço e reações tão veementes. Alguns dos principais dos religiosos do Seu tempo acusaram-no de ser o demónio em pessoa, mas, pelo contrário, muitos outros adoraram-nO como Deus, como Senhor e Salvador, muito mais do que um Mestre ou um líder. Mas nunca disse nem poderá dizer mais e melhor sobre Ele do que o que Ele mesmo falou. Jesus apresentou-se como Deus entre nós, tendo colocado o âmago da Sua existência e da Sua presença entre nós, precisamente na evidência da Sua identidade.

A diferença de Jesus começa em quem Ele é, na Sua natureza, na Sua identidade. O resto é apenas decorrente de Quem Ele é. Não é possível em coerência estar disposto a aceitá-lO como um grande Mestre, um exemplo, um modelo, um líder espiritual, e não aceitá-lO como Senhor, como o Filho do Deus Criador – o único Deus verdadeiro.

Jesus distingue-se de todos os restantes porque falou como nenhum outro, porque a exigência moral que nos apresenta é inexcedível, nada mais, nada menos do que a perfeita santidade, sendo que Ele mesmo viveu em conformidade com esse padrão. Numa sociedade religiosa fundamentalista em termos morais e éticos, detentora e portadora dos dez mandamentos, diante do tribunal mais exigente possível entre os homens, desafiou os Seus detratores a apresentarem alguma falha no Seu carácter, nas Suas atitudes, no Seu comportamento.

Mas Jesus não se limitou a viver e a dizer como devemos viver, Ele dispôs-se a morrer por todos os que fracassam, sendo que perante Ele não há um justo nem um sequer. Não morreu para absolver-nos porque isso seria pouco, não deixaríamos de ser quem somos e perante o tribunal divino estaríamos sempre em falta. Ele veio para redimir, para expiar, para salvar, para ser o nosso substituto, para se apresentar em nosso lugar diante de Deus. Mas a Sua morte vicária também significa a possibilidade de uma transformação no íntimo que a religião, a educação, a filosofia ou a política, a ciência ou a tecnologia, nunca poderão alcançar. Jesus chamou-a de novo nascimento, nascermos de Deus e assim sermos feitos Seus filhos – isso é o que somos em Jesus Cristo. De Filho único tornou-se o primeiro, sem nunca perder a Sua singularidade, de uma multidão incontável de filhos do Pai. “Ele veio para seu povo, mas eles não o quiseram. Mas houve os que o quiseram de verdade, que acreditaram que ele era o que afirmava ser e que fez o que disse ter feito. Ele fez seu povo, os filhos de Deus. Filhos nascidos de Deus, não nascidos do sangue, não nascidos da carne, não nascidos do sexo.” (João 1:10-13 – paráfrase “A Mensagem”)

A vida de Jesus entre nós é diferente de todas as demais desde o Seu nascimento, à Sua morte, ressurreição, ascensão aos céus e promessa de segunda vinda em glória para dar início à plenitude do que veio concretizar, em novos céus e nova terra. A Sua existência é um permanente milagre. Jesus viveu na estrita dependência do Pai e no poder do Espírito Santo. Todos os milagres fazem parte da Sua essência e são sinais, evidências da Sua identidade divina e do Seu propósito salvador. Jesus não apenas nos ensinou a viver, mas é a própria vida que somos chamados a viver. Viver por Ele e para Ele. A Sua exigência é absoluta, radical, mas nenhum como Ele nos dá a mão quando fracassamos, quando falhamos. Não há lugar à frustração nem à condescendência.

A crise que vivemos é essencialmente de ordem espiritual. Para sair dela, cada um de nós precisa de ver a vida como Jesus a apresentou, amando, perdoando, servindo, recusando o suborno, a corrução, a mentira, a ganância, o egoísmo, a injustiça. Tudo começa com a salvação, a reconciliação com Deus. Por isso somos chamados a viver como embaixadores da parte de Deus recomendando a todos os homens que se reconciliem com Deus e abandonem os seus pecados. Sem Jesus tudo é nada… Jesus é mais que tudo!

 

Samuel R. Pinheiro
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