PORQUÊ

PORQUÊ?

2022set11 ADburaca Águas Vivas
Porquê as guerras, os genocídios, a fome, as pandemias, as violências domésticas, o terrorismo, as doenças, o sofrimento, a maldade, o ódio, a crueldade, a violência, a escravatura, o racismo, …

Porquê o amor, a justiça, a verdade, a solidariedade, a compaixão, a empatia, o afeto, o carinho, …

Se para alguns Deus não existe por causa da maldade, como explicamos o bem? Se o mal nos tem impressionado na invasão da Ucrânia, a generosidade e a solidariedade não me tem impressionado menos! Não há mal no ser humano que a expiação não alcance, nem bem que dispense a expiação. A morte e ressurreição não apenas envolvem perdão, mas recriação, uma nova criação, nascer de novo do Espírito para uma nova vida em Cristo! Fomos criados à imagem e semelhança de Deus, e só a restauração dessa imagem e semelhança em Jesus, nos pode reconduzir ao desígnio e propósito de Deus – o verdadeiro sentido do nosso ser e da nossa vida!

Abarcando os dois lados, os dois grupos de porquês, PORQUÊ A CRUZ DE JESUS dum sofrimento inenarrável porque físico, emocional e espiritual, em que o justo carrega o pecado de toda a humanidade, e deste modo cria uma nova humanidade de todos os que em arrependimento e conversão, aceitam a Sua graça, o Seu amor incondicional, a Sua justiça e o Seu perdão. Uma nova humanidade em Jesus é possível. Uma humanidade que ama como Deus é amor, que perdoa como Deus perdoa, abençoa como Deus abençoa, supre necessidades como Deus provê, cuida do seu irmão ou do seu inimigo como Deus cuida dos Seus filhos e dos Seus inimigos.

Cala-me fundo a síntese da revelação bíblica que John Stott nos apresenta: nem sempre foi assim, não será assim para sempre, vivemos entre o já e o ainda não. A cosmovisão que adotamos, a narrativa em que nos inserimos, muda o modo como vemos, sentimos, agimos e esperamos. De todas as cosmovisões que conheço a única que faz para mim pleno sentido, embora não conheça todos os PORQUÊS, é a que a Bíblia nos apresenta e Jesus encerra como Deus que veio ao nosso encontro como dádiva do amor divino.

Cada um analise e faça a sua escolha. Quem conhecem como JESUS? Ele a resposta para cada um dos PORQUÊS, embora não compreendamos os que são do domínio do coração, conhecemos em parte os que são da imensidão do espírito e também em parte porque não cabem na sua esfera, os que pertencem à razão.

Perscrutemos as alternativas. Risquemos do mapa da existência de todas as coisas o Deus pessoal e trino que se revela em Jesus na nossa dimensão. O que temos em resultado disso: vivamos e morramos que amanhã morreremos, cada um que se amanhe como puder, cada um invente a sua verdade como se a sua ficção pudesse mudar a realidade, opte por uma evolução biológica e social em que é cada um por si no estímulo do gene egoísta, se escude por detrás das suas bombas atómicas e das sua ameaças, fique à mercê das mentiras que lhe empurram goela abaixo, retirando-lhe todo o direito ao pensamento crítico. Fiquemos com deuses fabricados pelo homem de pau, pedra, metal ou meras ideias; falhos como os seus criadores. Para mim não servem. O atrevimento de pensar num Deus a quem se subtrai arbitrariamente a empatia connosco, ou seja, um Deus distante, de costas voltadas para o homem, um deus que nos impõe a evolução às nossas custas. Também não presta! A ideia de um politeísmo que impõe a cada pessoa um karma do qual depende as formas de reencarnação não se sabe até onde, ou até quando, também convence e pelas consequências geradas de indiferença e apatia para não prejudicar o tal destino ou fado, ou castas de quem é tratado como zé ninguém. Olhem que não! Finalmente agarremos um deus que se confunde com a natureza, com tudo o que existe em que todos somos deus e deus é tudo; em que nós somos no pico da evolução os assassinos da nossa própria mãe – a natureza, um deus que se resume a uma equação matemática, física ou química; Deus não é um cristal, um calhau!… Em que o homem é o bicho destruidor do seu lar e da natureza que o deu à luz! Yuval Noah Harari, autor entre outras obras de Homo Sapiens, Homo Deus e 21 Lições para o Século XXI, considera que o homem surgiu com a invenção dos deuses e acabará ao tornar-se deus. A cada um a sua filosofia, e para cada cosmovisão a sua origem, o seu percurso e o seu fim!

Qual a cosmovisão bíblica: no principio, em todo o processo histórico e no fim-início de uma nova era DEUS (Pai, Filho e Espírito Santo), que criou o homem à Sua imagem e semelhança para a Sua glória – IMAGO DEI, livre e não uma marionete ou robô; a árvore da ciência do bem e do mal que contrariando o aviso de morte arrastou o homem para a situação que conhecemos muito bem e envolve muitos dos PORQUÊS que se formulam; o plano de resgate e salvação através do Deus-Filho feito Homem (revelação de Deus que nos criou e do Homem que fomos criados para ser); uma nova criação de novas criaturas nascidas de Deus para serem filhos e terem em Deus como Pai; uma dinâmica de transição em que o reino de Deus é implantado pela nova vida em e por Jesus; e, finalmente, uma nova era em novos céus e terra.

 

Acabe-se com a balela de que todas as divindades são iguais, todas elas cabem na salada de frutas do pluralismo religioso e no relativismo moral. JESUS mostrou que não é assim. Ele é tão distinto que os que negam Deus e preferem por ignorância ou por decisão de um coração cauterizado os ídolos, consideram que ele é um mito, uma fábula, um conto de fadas, uma miragem, um ideal; e até quem tenta reduzi-lo a um mestre de ética e moral como se tal fosse possível quando reivindicou para si mesmo a identidade do EU SOU O QUE SOU.

Em última análise permitam-me a petulância, “exijo” um Deus a sério que briga com o pecado, a maldade, e que é o garante em toda a Sua essência do amor, da justiça, da verdade, da graça, da misericórdia, da generosidade, que assumiu a propiciação em Si próprio aplacando a Sua ira, e que julgará o mundo pelo varão que designou com toda a propriedade em Jesus. Um Deus que exige que vivamos na excelência da Sua natureza em amor, santidade, justiça e verdade. Um Deus que julgou sobre Si o pecado na morte de cruz, e que julgará o mundo. Um Deus de verdade que vai colocar um ponto final em tudo isso e não nos dá margem para escapes, mas coloca nas nossas mãos a sua graça e bondade, para fazermos o bem sem importar a quem.

É verdade que a História está cheia de violência, de guerra, milhões de mortos em nome de um poder luciferino, diabólico, monstruoso. Isso significa alguma coisa diante dos sinais que Jesus apontou para a Sua segunda vinda. Atrevo-me a argumentar. Nunca como hoje temos um arsenal tão grande de armas de destruição total como são as armas nucleares, biológicas e químicas. Só agora estamos de posse de dados mais do que suficientes para a destruição do meio ambiente, dos ecossistemas, nunca antes tivemos essa consciência e sentimos essa realidade. Os sinais respeitantes à vinda de Jesus estão aí, claros como a água, e que entram pelos olhos dentro ao ponto dos mídia e os cientistas falarem do assunto usando terminologia bíblica. Já vimos isso em demasiados momentos da história, menos na proliferação do nuclear, armas químicas e biológicas e na destruição da natureza de um modo irreparável segundo alguns cientistas. Não entendo como é que seguidores do Jesus que prometeu voltar ignoram ou relativizam esta realidade falando dos milhões que morreram noutros momentos da história. Assim como antes da fundação do mundo Deus já determinara a redenção mediante Jesus, também na eternidade Deus estabeleceu que na história Jesus voltaria em glória para estabelecer novos céus e nova terra.

Arquemos com a nossa culpa, minha máxima culpa; e tomemos a esperança que JESUS nos dá com a Sua ressurreição. “Quando o jornal London Times solicitou a diversos escritores que mandassem ensaios sobre o assunto ‘O que há de errado com o mundo?’, Chesterton respondeu mandando a carta mais curta e directa de todas: Prezados Senhores – Eu. Atenciosamente, G. K. Chesterton” (Alma Sobrevivente; Philip Yancey, Mundo Cristão, pp. 61)

O passa culpas seja em relação a Deus ou em relação ao passado até Adão e Eva não resolve. Nós continuamos a ter a nossa parte neste processo. Podemos dizer que nunca faríamos o que eles fizeram, mas a verdade é que todos os dias o fazemos. Coloquemos as nossas mãos na massa pela ajuda ao próximo, cuidar dos sem abrigo, dos migrantes, … Seguir a Jesus é fazer a diferença!

Todos temos as mãos “manchadas de sangue” de forma ativa ou passiva. Todos pecamos, perante a lei divina todos somos culpados, não há um justo nem um sequer. Pode ser que perante a lei dos homens nos possamos considerar bons cidadãos. A questão humana na sua essência não é ética ou moral, nem sistémica ou dos poderes do mal. A ética e a moral, os sistemas político-económicos e religiosos, e os poderes do mal são reais, mas a questão é espiritual. Quando pensamos na natureza santa de Deus e no Homem que Ele criou à Sua imagem e semelhança todos estamos em falta. Só um podia e pode resolver a situação espiritual. JESUS VEIO e satisfez as exigências de Deus. Nada temos que temer quando aceitamos pela graça e por meio da fé a Sua salvação, que custou a Sua morte.

JESUS é esperança inabalável quaisquer que sejam as circunstâncias. Ele prometeu uma nova era de santidade, liberdade, paz e amor. Uma era à Sua medida absoluta de amor! Quando amamos do Seu jeito sabemos perfeitamente o que temos de fazer, a partir do que Ele é e nós somos Nele!

Alguns pensam e até dizem que têm muitas questões para colocar a Deus na eternidade, mas quando chegarem lá acredito que todas elas se terão evaporado, porque a resposta está diante deles. No meu entender todos os PORQUÊS respondem-se em JESUS e em nós através deles cuidando dos que sofrem, amando – Nele também somos a resposta que se multiplica em cada um que ouve o evangelho e nasce de novo.

 

Samuel R. Pinheiro

https://samuelpinheiro3.wixsite.com/omelhordetudo

 

A ÁGUA DA VIDA

A Água da Vida

João 7:30-53

 2021dez20 Jorge Pinheiro _ peq

“Vós me buscareis e não me achareis e onde eu estou, vós não podeis vir.” E no último dia, o grande dia da festa, Jesus pôs-se em pé e clamou, dizendo: ”Se alguém tem sede venha a mim e beba. Quem crê em mim, como diz a Escritura, rios de água viva correrão do seu ventre.” (João 7:34, 37-38)

 

Esta secção caracteriza-se pela indecisão da multidão em categorizar e definir Jesus, pelo extraordinário desafio de Jesus, que é o convite de irem até Ele todos os que têm sede espiritual e pela persistente decisão das autoridades religiosas de quererem prender e julgar Jesus.

As afirmações de Jesus causam não apenas perplexidade mas também animosidade entre os que O ouvem na multidão: uns crêem (v. 31), outros (v. 40) hesitam em reconhecê-Lo como Messias, preferindo identificá-Lo com o profeta que Moisés anunciara que surgiria (Deuteronómio 18:15), enquanto um terceiro grupo recusa-se a vê-Lo como o Messias por causa das Suas supostas origens duvidosas (vv. 41-42).

Por outro lado, nem tudo quanto Jesus proclamava era perfeita e imediatamente entendido. Ao afirmar (v. 34) que “O buscariam e não O achariam e que onde Ele estivesse não poderiam ir,” esta declaração não foi devidamente entendida e interrogavam-se sobre o seu verdadeiro significado. No versículo 35, lemos que alguns levantaram a hipótese de Ele se ausentar de Israel, deslocando-se a outros Judeus que viviam espalhados pelo mundo grego.

Conhecendo nós o percurso de Jesus, sabemos que esta é uma alusão à Sua partida não para os Judeus da Diáspora, mas ao Seu regresso ao Pai, após a Sua morte. Mas há também uma perplexidade nesta afirmação: ela surge em contraponto e em oposição à promessa de Deus em Jeremias 29:13: “E buscar-me-eis e me achareis quando me buscardes de todo o vosso coração.” O que não deixa de ser estranho porque até então todo aquele que tivesse procurado Jesus tinha encontrado n’Ele receptividade e uma resposta para o seu problema. De resto, ainda hoje essa é a experiência de todo o crente que, tendo-O buscado, O tem encontrado. Se elaborarmos um pouco mais a comparação entre as duas afirmações, a de Jeová em Jeremias e a de Jesus em João, verificamos que a diferença está na condição: “Se me buscardes de todo o vosso coração.” Ou seja, tal como encontramos Jeová se O buscarmos de todo o nosso coração, também precisamos de buscar Jesus de todo o coração se de facto O queremos encontrar.

Mas nesta declaração de Jesus, podemos detectar de novo um paralelismo com a Sabedoria de que Provérbios fala. A propósito do versículo 28, em que estabelecemos um paralelo com a Sabedoria que clamara pelas ruas, verificamos que em Provérbios 1:28, a Sabedoria diz: ”A mim clamarão mas eu não responderei; de madrugada me buscarão, mas não me acharão.”

Há, então, uma aproximação e identificação entre estas três personagens; Jeová, a Sabedoria e Jesus. Em Cristo, está a sabedoria de Deus e a Ele podemos encontrar se O buscarmos de todo o coração. Mas a Palavra alerta-nos que podemos não encontrá-Lo se o nosso coração estiver ausente dessa procura. Essa de resto é a recomendação da Escritura em Isaías 55:56: Buscai o Senhor enquanto está perto!” Como é refrescante e consolador verificar que uma declaração de aviso “Vós me buscareis e não me achareis” é também uma declaração da natureza divina e sapiencial de Jesus!

Já vimos que toda esta secção situa Jesus na Festa dos Tabernáculos. Vimos a origem e o significado da Festa. É durante todo este tempo que ocorrem as diversas declarações de Jesus. E de novo, numa outra identificação com a Sabedoria, lemos no versículo 37 que, no último dia da Festa, Jesus clamou. Repare-se que o evangelista não se limita a informar que foi no último dia da festa, mas que o classifica como “o grande dia da Festa.”

Recordemos que esta Festa, que durava sete dias e vem registada em Levítico 23:34-43, comemorava o tempo de peregrinação no deserto e a beneficência de Deus no tempo das colheitas. Era uma festa com um profundo significado espiritual e profético, comemorada com muito entusiasmo pelo povo. Nela, todos os dias os sacerdotes enchiam no tanque de Siloé uma vasilha de prata para ser derramada no altar. No cortejo entre o tanque e o altar, entoavam os Salmos 113 a 118, em especial o Salmo 118:25,26: “Salva, Senhor, nós Te pedimos; ó Senhor, nós Te pedimos, prospera. Bendito aquele que vem em nome do Senhor: nós vos bendizemos desde a casa do Senhor.” Em cada dia, os sacerdotes rodeavam o altar agitando ramos de palmeiras. O grande dia era o sétimo em que, a par do ritual executado em cada um dos dias anteriores, os sacerdotes rodeavam o altar por sete vezes. Esse era o momento alto e foi nesse dia que Jesus levantou a voz, apresentando um convite que ainda hoje ecoa: “Se alguém tem sede venha a mim e beba.” Por outras palavras, Jesus afirma-se como sendo a fonte da água espiritual, indispensável à frutificação do crente que espera em Deus. Jesus mantém-se igual a si mesmo, uma vez que repete o que já dissera à samaritana e identifica-se como a provisão prometida por Deus em Isaías 44:3: “Porque derramarei água sobre o sedento e rios sobre a terra seca.” Ele é a água que sacia não apenas o homem individual mas o homem colectivo e todo o meio ambiente em que os seres humanos habitam. Poderíamos também citar Ezequiel 47:8, na sua referência ao poder sarador desta água que sacia: “Estas águas, sendo levadas ao mar, sararão as águas.” As muitas águas do mar simbolizam na Bíblia as nações. Ora, as águas saídas do altar são aquelas que, entrando no mar, que entrando nas nações, as podem sarar. Essa água é a pessoa de Cristo.

Nessa declaração de Jesus, João esclarece que a expressão “rios de água viva que correrão do interior das pessoas” se referia à recepção e manifestação do Espírito que, como sabemos, foi derramado sobre os discípulos no dia de Pentecostes, outra das grandes festas bíblicas.

Assim, podemos entender que a expressão “no último dia, o grande dia da festa” tem uma profunda conotação teológica e não se limita a ser uma referência cronológica. Isso leva-nos a afirmar sem receio que podemos esperar ver em cada acção e em cada pronunciamento de Jesus um profundo sentido teológico, estabelecendo uma ponte entre os preceitos de Deus e a obediência do homem. É por isso que sempre que entramos em contacto com algum episódio que envolva a pessoa de Jesus Cristo, temos sempre de perguntar: “O que está o Senhor Deus a comunicar-me? Onde posso ver aqui uma mensagem que Deus está a entregar-me?”

Foi esta faceta do ministério de Jesus que os responsáveis bíblicos do Seu tempo não conseguiram detectar nem tampouco perceber. Assim, não admira que procurassem prendê-Lo e silenciá-Lo. Quais vigilantes de uma ordem que eles próprios impunham derivada da sua interpretação das recomendações de Moisés, esses responsáveis não podiam tolerar qualquer desvio à ortodoxia instituída. Um dos seus problemas é que subordinavam essa ortodoxia a uma tradição resultante de uma prática religiosa nem sempre alicerçada numa correcta interpretação da Revelação.

Repare-se que se consideravam os únicos conhecedores e intérpretes da Lei de Deus. Por isso, podiam acusar os restantes de entre o povo: “Esta multidão que não sabe a Lei é maldita.” (v. 49) Desse modo, constituíam-se e assumiam-se como uma elite especial e favorecida. Mas pergunta-se: “Como elite, não seria sua responsabilidade e obrigação instruir a multidão?” Esse é o grande pecado e tentação das elites: demitir-se da sua função não de mestres mas de ensinadores. E ensinar, como sabemos, é um acto de amor, incompatível com o orgulho e a arrogância de guardar o conhecimento só para si.

Devido a essa arrogância, os responsáveis religiosos eram lestos a condenar quem não se encaixasse nos modelos que eles próprios haviam criado. Disso é testemunha a objecção levantada por Nicodemos que alertou para um princípio inviolável da Lei e que estava a ser espezinhado pela arrogância dessa elite auto-satisfeita: “Porventura a nossa lei condena um homem sem primeiro o ouvir e ter conhecimento do que faz?” (v. 21). Note-se que Nicodemos também fazia parte do Sinédrio mas, talvez sensível à mensagem de Jesus em resultado da conversa que ambos travaram tempos antes, não se esquecera das bases fundamentais da Lei, não se esquecera de que toda a nossa interpretação da Escritura não pode ir contra a mesma.

A resposta dos seus pares não deixa de ser surpreendente: em vez de contra-argumentarem com a própria Lei que Nicodemos invocava, contrapuseram com a Tradição que condicionava todas as suas interpretações: “Também é da Galileia? Examina e verás que da Galileia nenhum profeta surgiu” (v. 52).

Nesta resposta, podemos ver não apenas uma acusação contra Nicodemos, taxando-o de judeu impuro (os Galileus eram considerados como tal) e de ter uma visão enviesada, mas também a confissão da sua total cegueira. De facto, fazem sobrepor a Tradição à Lei, que lhe deveria servir de base. Mas Nicodemos não invocara a Tradição nem se escondera atrás dela – invocara o princípio que deve comandar toda a nossa acção, mesmo que esteja em oposição à Tradição. No fundo, quem tinha uma visão enviesada da realidade não era Nicodemos mas o restante Sinédrio.

De Jesus, ou melhor, da aplicação da Sua acção, devemos esperar não propriamente uma voz crítica contra a Tradição, mas um apelo a nunca comprometermos a realidade à sombra, o essencial ao acessório, o eterno ao passageiro, mas um apelo a nunca nos esquecermos de onde viemos e da base sobre a qual a nossa vida se deve erguer – é que essa base tem de ser a água que nos purifica e nos faz crescer!

 

C. Ourique, 26.Julho.2022