Uma ética pré-cristã em Píndaro
João Tomaz Parreira
Píndaro, o maior poeta lírico da Grécia no séc. V a.C., representa o lirismo que impõe valores éticos na poesia, a fim de serem seguidos em excelência pelos homens.
A sua lírica coral perorava poeticamente sobre o que o poeta considerava excelência dos vencedores dos jogos pan-helénicos, celebrava com odes triunfais, não só quem vencia, mas os valores que se traduziam a partir das vitórias, que eram cantados e se espalhavam dos seus poemas para a música.
Na Grécia clássica celebrava-se a luta (àgonía / ἀγωνία) individual. Não havia jogos coletivos, nem vitórias em equipa. A honra ou desonra era individual, mas os pensamentos do lirismo de Píndaro ajustavam-se, sobretudo, à humanidade, ao coletivo dos homens.
Da sua obra poética, chegaram, passando pelas primaveras e pelos outonos das várias civilizações até à contemporaneidade, apenas quatro livros: 14 Odes Olímpicas, 12 Odes Píticas, 11 Odes Nemeias e 8 Odes Ístmicas de Corinto.
Em alguns dos versos das suas odes píticas – dedicadas aos heróis dos jogos em Delfos, onde se premiavam os vencedores com uma coroa de louro –, isolados do contexto que lhes é próprio e que lhes deu origem, e subtraindo os que eram dedicados a Apolo, antevemos essa excelência que, mais tarde, o cristianismo tornou universal e, muito antes, alguns livros sapienciais do Velho Testamento também universalizaram.
Píndaro, no conceito sobre o sagrado que os gregos possuíam, foi um poeta “próximo” dos deuses. Do poeta se dizia, no seu tempo e após a sua morte, que os sacerdotes, todas as noites, à hora do jantar, mandavam um arauto dizer: “Píndaro vem hoje jantar com os deuses”. Havia sempre uma mesa posta para o lírico, tal a excelência da sua poética de valores.
Antecipados assim de cinco séculos, em relação aos valores cristãos, o que lemos hoje é algo que, pela sua importância dos valores pronunciados, é transversal a religiões e a ideologias, porque estão no propósito divino da moral e da ética.
Um bom e inteligente governo em prol do povo
1ª Ode para Hierão de Etna: “Possa o homem que tem a chefia ordenar ao seu filho que, depois de recompensar o povo, o faça voltar à tranquilidade da concórdia” (4ª Antiestrofe); “Guia com leme justo a multidão.” (5ª Estrofe)
2º Livro de Crónicas, 10:7: “ Eles (os conselheiros do rei Roboão) disseram: Se te fizeres benigno para com este povo e lhes agradares e lhes falares boas palavras, eles se farão teus servos para sempre”.
O valor substantivo da verdade
5ª Estrofe: “Forja a língua na bigorna infalível da verdade”.
Salmo 91:4: “A sua verdade é escudo e broquel”.
Isaías 11:5: “(do Messias) a verdade será o cinto dos seus rins”.
O valor essencial da honestidade
5ª Estrofe: “Não te deixes enganar, amigo, com ganhos lucrativos mas de proveniência vergonhosa”;
Provérbios 3:35: “Os sábios herdarão honra”.
Eclesiastes 6:2: “O homem a quem Deus conferiu riquezas, bens e honra”.
I Pedro 2:12: “Tendo o vosso viver honesto entre os gentios”.
Condenação da luxúria
2ª Ode, 2ª Antistrofe: “O leito da luxúria atira-nos vezes sem conta para a miséria”.
Oseias 4:12: “porque o espírito de luxúria os engana”.
Hebreus 13:4: “Venerado seja entre todos o matrimónio e o leito sem mácula”.
Condenação da maledicência
3ª Estrofe: “É necessário que eu fuja à forte dentada da maledicência”.
4ª Estrofe: “As insinuações caluniosas são um mal inexpugnável para ambos os lados, semelhantes em tudo ao carácter de uma raposa”.
Provérbios 12:19: “A língua mentirosa dura só um momento”.
Provérbios 20:19: “O que anda maldizendo descobre o segredo” (isto é, descobre-se o seu carácter de mexeriqueiro).
Tiago 3:8: “Mas nenhum homem pode domar a língua. É um mal que não se pode refrear; está cheia de peçonha mortal”.
Condenação da inveja
Epodo 4: “O invejoso põe a bitola alto de mais, e inflige ao seu próprio coração uma ferida dolorosa”.
Provérbios 14:30: “A inveja é a podridão dos ossos”.
Tiago 3:14: “Mas, se tendes amarga inveja, e sentimento faccioso em vosso coração, não vos glorieis, nem mintais contra a verdade.”
As boas convivências
Epodo 4: “Oxalá possa eu conviver com homens de bem”.
Salmo 1: “Bem-aventurado o varão que não anda segundo o conselho dos ímpios.”
O perigo das meias verdades
4ª Ode, Estrofe 5: “De que ventre venerável de entre os humanos, nascidos na terra, vieste? Não manches a tua origem com mentiras odiosas e diz-me quem são os teus.”
Génesis 12:13-19: “ Dize pois que és minha irmã (…) Disse Faraó a Abrão: Que é isso que me fizeste, por que não me disseste que era ela tua mulher? E me disseste ser tua irmã?”
Na tradição destes hinos de Píndaro está a celebração do herói, a relação deste com o cântico não é o homem, mas os seus feitos. Estes são, pela sua própria natureza, temporais: um feito suplanta outro feito.
As referências à Sabedoria de Deus ao nosso dispor, essas são eternas e condicionam a vida do Homem.
Nestas Odes há a imitação da vida, porque se trata de arte. A prática dos valores éticos, segundo a Bíblia Sagrada, é vida. As lições éticas das Escrituras Sagradas mudam os costumes do homem, a Musa não.