O EVANGELHO DO “COITADINHO” NÃO É O EVANGELHO DE JESUS CRISTO
Alguém que se confronta hoje consigo mesmo na evidência da necessidade profunda de conhecer Jesus Cristo, busca na sua Igreja a fonte para as respostas as suas múltiplas perguntas e procura ali perceber como acudir a esse premente anelo. Encara porém com uma pregação que apela à satisfação da necessidade imediata, do socorro pela angústia do tempo de hoje, sem o mais pequeno vislumbre da eternidade.
Ouvimos pregar um pobre evangelho que faz apelo à necessidade de saúde física, em Jesus encontrará a cura; um evangelho que faz apelo à necessidade material, em Jesus encontrará ajuda para receber emprego ou a resolução “mais ou menos mágica” para os seus problemas financeiros; ouvimos até um evangelho que faz apelo à necessidade de libertação das drogas ou de outro vício, em Jesus encontrará a libertação dessa prisão.
A Igreja ouve o Cristo que clama “Vinde a mim todos vós que estais cansados e oprimidos” e a esse prega, mas não ouve, e parece mesmo não conhecer, o Cristo que grita “arrependei-vos”. Não se prega mais o arrependimento e o perdão de pecados. Não se prega mais a miséria da condição espiritual do homem. Não se prega mais que o inferno é o destino real das vidas sem Cristo.
A Cruz de Cristo parece confundir até a própria Igreja: vê na cruz o Cristo de braços abertos, mas parece não reparar que esses braços estão presos à cruz por trespassantes pregos. O Cristo da cruz está sacrificado, não está abraçando. O Cristo da cruz está pagando, não está recebendo.
O pior de tudo é que a pregação do “evangelho do coitadinho” produz muitos crentes, mas infelizmente não produz discípulos. Esses só nascem da pregação do Evangelho de Jesus, o evangelho que chama ao arrependimento, à percepção de que o mal maior da humanidade é a realidade do pecado, da desobediência, do afastamento propositado de Deus.
Este fenómeno revela uma Igreja rendida aos pés do hedonismo, secularizada, onde a necessidade humana, tantas vezes a simples necessidade, mais até do que o prazer, emana com gritante veemência, pulsando como porta evidente para a pregação do Evangelho. Porém de porta a Igreja tem tornado, essa mesma necessidade, na essência do Evangelho. Surpreende alguém que hoje em dia cada vez menos crentes saibam porque crêem em Deus e porque necessitam de salvação?!
Embora seja uma expressão triste e que realmente me incomoda um pouco, porque ao afirmá-la muitos lerão que se faz uma defesa do regresso a uma cultura antiga e desadequada – para além de profundamente não bíblica – de Igreja, a verdade é que a Igreja necessita voltar aos fundamentos antigos do Evangelho pregado pela primitiva Ecclesia.
A comunidade cristã vivia em comunhão, em união, percebendo a sua perseguição e rejeição, entenderam que só sobreviveriam em conjunto, daí o insistente ensino de Jesus, comparando os filhos de Deus a ovelhas, um animal de rebanho, porque só se consegue manter no Caminho quem faz parte do rebanho. Essa mesma primitiva Igreja não acenava ao mundo com a promessa de curas, de realizações financeiras, de conquistas impressionantes. Pobres cristãos primitivos nas mãos das novas teologias e deste novo evangelho do “coitadinho”: eram pobres, perseguidos, mortos e torturados pela sua crença, pela sua fé, pela sua confiança. Seriam cristãos “pequeninos”! A sua pregação soaria a ridícula se eles dissessem pelas ruas que em Jesus, o povo, e cada um, encontraria a solução dos seus problemas; se aclamassem pelas cidades, vilas e aldeias que se alguém fosse a Jesus teria cura e a resolução de problemas pessoais, de família, etc., quando depois pelas ruas bem se sabia das perseguições e atentados contra a vida dos crentes. Qual seria então a pregação da Igreja primitiva, que tantas pessoas alcançou, que a tantos atraiu, apesar das perseguições e das dificuldades que trazia o facto de alguém se tornar cristão? A Igreja pregava o arrependimento, clamava:
Arrependei-vos, crede em Jesus, aquele que foi morto mas ressuscitou dos mortos ao terceiro dia, buscai o Espírito Santo, vivei em amor e segui a santificação.
E esta é a essência do evangelho: o homem é culpado, cada um de nós é culpado de destronar Deus do centro das nossas vidas e de nos termos colocado a nós mesmos aí. Assim sendo essa culpa nos afasta irremediavelmente de Deus. Por muita bondade que de nós emane, que muita doçura escorra das nossas palavras e por muito bálsamo refrescante que sejam os nossos gestos, a realidade é que sempre estamos no centro das motivações do que de nós se levanta. Por isso, até aquilo que parece belo, perante Deus – que é puro e santo -, isso mesmo é sujo, é como um imundo e porco trapo. Nada nos resta, estamos mortos, separados da Vida.
Mas a ressurreição é possível, pelo arrependimento percebemos que estamos errados e nesse momento despimo-nos de nós mesmos, chutamos o eu para fora do trono da nossa vida e celebramos a entronização de um novo Rei em nós: Jesus Cristo, o Filho de Deus. E a vida ressurge, a ressurreição acontece.
Arrependimento, seguido de Fé em Jesus, entregando a vida, deixando-se e tomando a sua cruz, aí o homem encontra a salvação, encontra Deus, e este é o verdadeiro evangelho.
Sérgio Bernardo